Para pensar a proteção de Dados no contexto da IA

Em parceria com ELA-IA, Outras Palavras apresenta debate com um dos maiores especialistas do país no tema. Quais as novas iniciativas para garantir a privacidade de dados? O Brasil poderia dar um salto tecnológico com a criação de uma “Petrobrás da IA”?

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“Se o Brasil não se apropriar da IA, pode aprofundar sua dependência tecnológica e se prejudicar na divisão internacional do trabalho”, alerta o professor Fábio Borges de Oliveira, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Ao apontar o risco de que o Brasil adentre uma nova era tecnológica, mais uma vez, como um mero exportador produtos de baixo valor agregado – no caso, basicamente, dados – e um importador de tecnologia refinada, o pesquisador insere a discussão sobre a inteligência artificial em um debate estratégico sobre o papel que o país terá na economia global nas próximas décadas, com consequências decisivas para as possibilidades que abrirá também no plano interno.  

Esta é a discussão de fundo que será colocada em pauta nesta quarta-feira, às 10h da manhã, em debate realizado pela ELA-IA – Estratégia Latino-Americana de Inteligência Artificial e Outras Palavras e transmitido ao vivo pelo canal de Outras Palavras no Youtube. Para dialogar com o professor Fábio Borges de Oliveira sobre o tema “Proteção de Dados no contexto de IA”, participarão os debatedores Priscilla Matsushita (ELA-IA), Luiz Vianna Sobrinho (ELA-IA), Juliana Gomes (UFPE) e Fabiana Cunha (ELA-IA); o moderador será Fabiano Tonaco Borges (ELA-IA e UFMT). 

IA como um fator estratégico para o país 

Dizer que a inteligência artificial (IA) é estratégica e precisa ser considerada no quadro do projeto de país não significa deixar de lado as questões urgentes que já estão postas na ordem do dia. Ao contrário, quer dizer que é preciso considerar os riscos e vantagens que a rápida expansão dessas tecnologias coloca de imediato, mas também – e principalmente – pensar e agir com estratégia diante de uma janela de oportunidade que se abre numa transição tecnológica planetária.

Com efeito, os “dados” têm sido encarados como o “novo petróleo”. Isso porque a IA sempre precisa ser treinada com dados, logo, se há uma corrida disputada entre as grandes potências globais pelo domínio da IA ela também se expressa no esforço por um controle massivo e granular sobre os dados. Isso atinge diretamente a privacidade das pessoas e coletivos, o que coloca a necessidade de discutir o papel do Estado na regulação e proteção dos cidadão. O diretor da LNCC é enfático sobre a importância da proteção de dados e treinamento de IA com o uso de criptografia pelo governo brasileiro. E da obrigação do Estado de proteger e não permitir o compartilhamento de dados de seus cidadãos com outros países ou com empresas.  

Mas apenas defender-se seria insuficiente. É preciso que o Brasil participe soberanamente da disputa por um lugar nesse novo ambiente tecnológico. Com isso em vista, Fábio Borges defende a criação do que chama de uma “Petrobrás da IA” no Brasil, bem como de uma agência, algo como uma “ANP da IA” (em referência à Agência Nacional do Petróleo). 

A metáfora é instigante: no caso da “Petrobrás da IA”, trata-se de lembrar a importância que a Petrobrás teve no impulsionamento do desenvolvimento brasileiro. “O que seria do Brasil sem a Petrobrás?”, questiona Fábio, e recorda que foi o Instituto Nacional de Tecnologia (INT) – primo irmão do LNCC, ambos vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – que “descobriu” o petróleo no Brasil. Além disso, ter uma empresa estratégica de IA permitiria trazer de volta ao Brasil diversas “mentes brilhantes”, que hoje estão inseridas em empresas no exterior. “Nós temos força intelectual para criar uma empresa da importância da Petrobrás para a IA”, afirma.

Quanto à “ANP da IA”, o professor é crítico à proposta de regulação para a IA que está neste momento em análise do Congresso Nacional: a ideia de se instituir uma “autoridade”, em vez de uma “agência reguladora”. Ele acredita que o modelo de agência é mais conveniente do que o de autoridade, justamente para que o órgão regulador tenha autonomia. Mas esta deve ser uma agência regulatória com foco na formação, que ensine “como fazer” de maneira responsável e ética, ao invés de uma agência de fiscalização com poder de polícia. Uma nova forma de postular a intervenção do Estado, cuja missão é o desenvolvimento e a evolução material e cultural de seu povo. 

A privacidade de dados e o caso da saúde

Todo este debate de fundo afetará outras discussões que já se apresentam como urgentes, entre elas a citada questão da privacidade. Fábio Borges postula que os dados devem ser criptografados e trafegados em redes descentralizadas e federadas. Apesar de gastar mais tempo, é mais seguro e preserva a privacidade das pessoas. Ao invés de compartilhar dados, compartilha-se o aprendizado das redes neurais. O treinamento das redes neurais deveriam ser também em criptografia do início ao fim, mesmo que com maior custo.

É neste quadro que se insere a discussão sobre o compartilhamento de dados em saúde, por exemplo. A proposta de usar criptografia e redes federadas contrapõe-se frontalmente a projetos dos grandes conglomerados de saúde, como o Open Health (“saúde aberta” em português). Essa iniciativa do mercado de saúde, que mimetiza o Open Banking (“banco aberto” em português) – em que um usuário compartilha seus dados entre diferentes instituições financeiras –, reafirma o canto da sereia de que o usuário dos serviços de saúde pode receber recompensas pelo compartilhamento de seus dados. No caso do Open Banking, a promessa é a oferta de crédito com taxas mais competitivas para quem liberar seus dados (o que no Brasil se mostrou falacioso, pois as taxas de juros no país continuam as maiores do mundo). Já o Open Health promete planos de saúde mais baratos. No entanto, por trás do Open Health esconde-se a “seleção de risco” (quando um plano de saúde se nega a vender um plano em razão da condição de saúde de uma pessoa) por parte das operadoras de saúde. 

O caso é ainda mais grave quando esse vazamento de dados extrapola as fronteiras nacionais. O diretor do LNCC é enfático em dizer que “um hospital não deveria mandar os dados de seus pacientes para um outro país”, pois isso coloca em perigo a segurança das pessoas, bem como de coletivos. Para o professor, é possível “aprender sobre os dados médicos, sem disponibilizar os dados médicos. Você tem que trabalhar no escuro, sem ver os dados. Não tem problema nenhum em trabalhar com a luz apagada”, como no caso da criptografia homomórfica, que ele explica em sua palestra. Ele ainda adverte: “tudo que a gente está falando de inteligência artificial a gente está falando de privacidade”.

Estes temas serão abordados em profundidade no debate desta quarta. Não perca.  

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